Serviço Militar Obrigatório<br>e populismos que escondem<br>opções ideológicas
Ali e acolá, a temática do Serviço Militar Obrigatório (SMO) tem emergido das fundas gavetas para onde foi remetido pela mãos do PS, PSD e CDS-PP. Muitos referem que a sua suspensão (e dizemos suspensão porque, de facto, ele deixou de ser obrigatório, mas não passou a ser proibido) foi uma cedência populista. A realidade é que o recurso ao populismo foi o meio para encobrir as opções ideológicas de construir um modelo cuja primazia era a da participação externa.
Hoje, muitas das abordagens visando a sua reposição, padecem do mesmo problema. Muitos dos que hoje surgem a colocar a possibilidade de ser encarada a sua reposição, fazem-no por agregação ao problema do combate ao terrorismo. Isto é, apanham a «onda» e surfando nela acham mais fácil «vender» tal ideia, ou se quisermos, ser mais fácil ela ser socialmente «comprada». Ora, temáticas desta natureza não se tratam com populismos, nem com sofismas e habilidades.
Como é sabido, o PCP sempre se opôs à extinção do SMO e sempre teve papel activo na defesa de medidas que conduzissem à sua dignificação. E mesmo na hora da decisão, 1 de Julho de 1999, votando contra e projectando para o futuro as consequências da decisão que estava a ser tomada, afirmou que quatro desafios se colocavam: primeiro, a garantia de que o novo sistema conseguiria o número de contratos e voluntários necessário; segundo, a garantia da possibilidade de crescimento por mobilização em caso de necessidades excepcionais que se colocassem ao País; terceiro, a garantia de que seriam adoptadas as medidas que garantissem uma compreensão por parte da população dos deveres gerais militares e, quarto, a garantia de que não se criaria um fosso entre as Forças Armadas e o País, afirmando de seguida que a proposta em votação era um desastre observada de qualquer um destes ângulos.
A vida deu-nos razão
Também aqui a vida nos deu razão e razão reforçada quando se verifica, desde há muito, que a própria lei criada para os regimes de voluntariado e contrato é atropelada, gerando desincentivos, e a própria realidade dos militares do quadro permanente tem-se vindo aceleradamente a degradar.
Por isso, na mesma altura em que essa decisão de abolição do SMO era tomada, dizíamos que uma das nossas principais preocupações era a questão do divórcio entre as Forças Armadas e a população, aspecto particularmente importante por poder vir a significar o desconhecimento por parte da população da realidade das Forças Armadas. Pior ainda: para as novas gerações, a instituição militar iria deixando de representar a expressão de uma vontade nacional de defesa. A função militar correria o risco de passar a ser uma função de outros, um emprego, uma espécie de repartição do Estado. As políticas prosseguidas pelos sucessivos governos no tratamento, e não só, das questões sócio-profissionais dos militares encarregaram-se de acelerar essas concepções e se não foram tão longe, ao papel activo e actuante das associações sócio-profissionais se deve, porque em boa verdade, ou melhor, numa leitura mais completa da verdade, quando estas falam da condição militar não é só de direitos (na versão do PSD/CDS e muitos comentadores, dá pelo nome de privilégios) que falam. Têm também tido subjacente uma concepção de Forças Armadas como parte integrante do País e não uma coisa ao lado, à margem, de alguém que é pago (crescentemente mais mal pago) para ir para o Iraque ou o Afeganistão e depois recebe umas palavras pelo sacrifício e talvez umas medalhas, ao bom estilo norte-americano.
Como é referido no início, hoje a temática do SMO tem aparecido associada ao combate ao terrorismo. Referem esses que a sua reposição restabeleceria valores identitários com a juventude tornando-os menos permeáveis ao seu engajamento pelos radicalismos. Ora, não sendo de ignorar esta opinião, ela vale tanto como alguém que diga que, tendo preparação militar os jovens ficam mais bem preparados para as loucuras terroristas. E isto porque, como é sabido, uma parte substancial desses actos têm tido como protagonistas cidadãos dos próprios países e não estrangeiros, como alguns pretendem fazer crer visando outros objectivos. A raiz do problema encontra muitas explicações nos dramas sociais que assolam vários países; na hipocrisia das políticas praticadas; nas políticas neocoloniais em curso, entre outros aspectos que aqui não se desenvolve, mas bastará olhar para a forma como a UE e países individualmente considerados estão a tratar o problema dos refugiados e das migrações, e temos um vasto campo de reflexão.
No plano nacional, o tema aparece como que por importação desses países e dos contextos por eles vividos, e pretende, mais uma vez, cumprir vários objectivos: insistir na tese da mistura forças armadas/ segurança interna; dar um pseudo ar de modernidade (se os outros discutem o tema, nós também) e, como referido atrás, considerar que a ligação da reposição do SMO por causa do terrorismo será socialmente mais fácil de ser aceite. Ora, a verdade é que as Forças Armadas debatem-se com graves problemas de pessoal.
A velha tese de que com desemprego a juventude olharia as Forças Armadas como saída mesmo não desejada, não se verifica. Numa boa percentagem dos que querem, revelam-se um conjunto de problemas de saúde que os elimina (e é bom que não haja a tentação de baixar os níveis de exigência, sob pena de resolvendo um problema se criarem outros e mais graves), etc. Aliás, há quem suscite a legitima dúvida sobre se alguém sabe realmente quantos jovens em condições (repete-se, em condições) poderiam ser mobilizados caso esse problema se colocasse.
Não querendo assumir o erro das opções que tomaram e não querendo enfrentar os problemas de pessoal existentes, que requerem investimento, ao bom estilo futebolístico lateralizam.